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Cristina Graeml foi realmente uma grande surpresa?

Por Tiago Borges e Murilo Brum Alison

 

Após a divulgação das últimas pesquisas de opinião antes das eleições, o nome que dominou os comentários políticos sobre Curitiba foi o da jornalista Cristina Graeml: “ascensão surpreendente”1 ou “a surpresa que vem de Curitiba”2. Antes da publicação, a atmosfera já era de atenção, especialmente pelos esforços de Eduardo Pimentel (PSD), atual vice-prefeito e candidato ao primeiro mandato como prefeito, em tentar bloquear (ou pelo menos atrasar) a divulgação das pesquisas previstas para o sábado anterior às eleições. O que será que estava assustando Pimentel e sua equipe? 

A resposta veio e uma eleição que parecia se encaminhar para uma vitória tranquila de Pimentel, se transformou em uma eleição de polarização entre a direita curitibana. Os protagonistas dessa polarização? Eduardo Pimentel (PSD) e Cristina Graeml (PMB). O primeiro, representante da política tradicional de Curitiba, neto do ex-governador Paulo Pimentel e apadrinhado por figuras marcantes da política paranaense. Do outro lado, a estrela da Gazeta do Povo, que ganhou destaque por colunas negacionistas durante a pandemia e se posicionou como a verdadeira representante da direita curitibana.  

A ascensão de Graeml realmente pegou muitos desprevenidos. A candidata pelo PMB aparecia com 5% em pesquisa de intenção de voto da Quaest, em agosto, e 71% do eleitorado sondado não conhecia a candidata ainda em setembro3. Em pesquisa do IRG Pesquisa, em agosto, Graeml aparecia com 6% de intenções de voto4, mesmo cenário projetado pela pesquisa divulgada pelo Paraná Pesquisas, em setembro5. Apesar do cenário desfavorável em todas as pesquisas até o mês de outubro, Cristina Graeml chegou ao segundo turno com 31,17% dos votos válidos.

Se as pesquisas até uma semana antes da eleição6 não indicaram esse cenário, como entender o fenômeno Cristina Graeml? A resposta certamente não está na TV. Graeml, sendo candidata do nanico PMB, não teve tempo de televisão no primeiro turno. Talvez o olhar deva ser para aquele lugar que nos prometeram que poderia substituir a televisão: a internet. Claro, não qualquer lugar no vasto mundo da internet, estamos falando de olhar especificamente para as redes sociais.

O COMPADD, através de uma parceria com o Instituto Democracia em Xeque (DX)7, esteve responsável pelo monitoramento da campanha eleitoral para a prefeitura de Curitiba no TikTok, e alguns números da campanha de Graeml chamaram  nossa atenção desde o primeiro relatório, referente ao período entre 18 de agosto e 2 de setembro. Neste primeiro relatório, Graeml foi a candidata com mais seguidores, mais publicações e, das 145 publicações analisadas, teve os cinco vídeos com maior número de visualizações. Também identificamos, pela primeira vez, uma narrativa que esteve presente em toda sua campanha: a de candidata boicotada pela mídia, sem convites para os debates, ignorada pelas pesquisas de opinião e perseguida pela “velha política” e pelo “sistema”. Além disso, se apresentava como a única candidata verdadeiramente de direita de Curitiba. Assim, Graeml se colocou, ao mesmo tempo, como vítima de um sistema e como heroína conservadora lutando sem recursos contra esse mesmo sistema. Graeml é então Davi, lutando contra o gigante sistema Golias.

Como mencionado, essa narrativa de boicote permeou o discurso de Graeml durante toda a campanha. Mas não foi só de perseguição que a candidata alimentou seu perfil no TikTok. Graeml se esforçou muito também no gerenciamento de sua imagem, publicando vídeos ao lado de apoiadores e dando especial atenção para o público feminino. Nesses vídeos, a candidata sempre aparece abraçada ou lado a lado com a eleitora, chamando-a pelo nome e agradecendo o apoio. Ao lado do seu candidato a vice, Graeml também ressaltou a ausência de grandes recursos para sua campanha, apresentando os bastidores de uma campanha formada pelas ruas e poucos equipamentos. 

O segundo relatório, referente ao período de 2 a 16 de setembro demonstrou novamente o protagonismo de Cristina Graeml no Tik Tok. Graeml se manteve como a candidata com mais seguidores no TikTok e esteve no top 3 de publicações e visualizações. Até o dia 30 de setembro, dia que seria a data limite do terceiro relatório, Graeml assume a liderança novamente em número de vídeos publicados e visualizações, estando bem à frente no segundo quesito, embora a diferença não fosse nada muito surpreendente. Entretanto, com o escândalo de suposta coação envolvendo a campanha de Pimentel (PSD), decidimos aumentar o escopo do relatório, coletando os vídeos publicados nos dias 1 e 2 de outubro, na última semana de campanha antes do primeiro turno.

Desta forma, o terceiro relatório demonstrou aquilo que surpreendeu a todos: a súbita ascensão de Cristina Graeml. No período de quase três semanas, entre o dia 17 de setembro e 2 de outubro, percebeu-se uma “evolução” da narrativa de boicote do “sistema” contra a campanha de Graeml. As críticas à velha política tornaram-se ataques ao PSD, partido de Pimentel. Esses ataques ao PSD não começaram “do nada” e nem de iniciativa da própria candidata. A campanha negativa contra o PSD vem de uma conjuntura nacional puxada e impulsionada pelos deputados federais do PL, Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer. Nas últimas semanas de campanha eleitoral, os dois deputados começaram a tecer críticas ao PSD devido à situação do pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que segue parado com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Neste sentido, Ferreira e Gayer iniciaram uma campanha de boicote e pressão ao partido, pedindo que eleitores evitem votar no PSD em cidades onde o partido não esteja coligado com o PL. 

Cristina Graeml se apropria dessa campanha contra o PSD para atacar Pimentel e Rafael Greca, atual prefeito de Curitiba pelo PSD. Isso acontece mesmo com a coligação entre o PSD e PL no estado do Paraná, e com o vice de Pimentel sendo Paulo Martins, bolsonarista que recebeu apoio direto de Bolsonaro nas eleições para o Senado de 2022 e filiado ao PL. Ao atacar Pimentel e o PSD, Graeml acusa Greca de ser lulista, usando elogios do prefeito a Lula e aos ministros Flávio Dino e Luís Roberto Barroso, do STF, como pontos negativos contra o prefeito e seu vice/sucessor.

Também nessas quase três semanas, Graeml foi questionada por usar uma imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro ao seu lado. Acusada de usar a foto sem consentimento do ex-presidente, uma vez que o partido de Bolsonaro estaria coligado com o PSD de Eduardo Pimentel, Graeml ressaltou que pediu consentimento do ex-presidente e que o mesmo, quando questionado, respondeu que permitiu o uso da foto pela candidata. O apoio de Bolsonaro, assim como o de outras personalidades da direita e dos colegas de bancada da Gazeta do Povo, com certeza foram importantes para a campanha de Graeml. Apesar disso, ainda faltava um outro elemento para alavancar de vez a campanha digital da candidata e ele viria através de um novo forte nome da extrema-direita brasileira 

O total de visualizações das publicações de Cristina Graeml nesse período foi de aproximadamente 330 mil visualizações, 300 mil à frente de Roberto Requião (Mobiliza), segundo colocado em visualizações. Mas a maior surpresa veio no dia 2 de outubro, quando Graeml emplacou mais de 100 mil visualizações no dia da coleta dos dados, ou seja, no próprio dia 2. Ao analisar os vídeos publicados neste dia, encontramos o motivo: um vídeo ao lado de Pablo Marçal (Imagem 1), candidato à prefeitura de São Paulo pelo PRTB8. No dia em que este texto está sendo redigido (7 de outubro de 2024), este vídeo com Marçal sozinho possui aproximadamente 342 mil visualizações.

 

Imagem 1: Captura de tela da publicação de Cristina Graeml ao lado de Pablo Marçal 

Fonte: Perfil de Cristina Graeml no TikTok (2024)

 

No vídeo, Marçal declara apoio e pede votos para Graeml, apontando que a candidata estaria passando pelas mesmas dificuldades que ele na campanha em São Paulo. De fato, ambos apelaram para o eleitorado conservador de direita, buscaram o apoio de Bolsonaro, concorreram contra o partido do ex-presidente nessas eleições e posicionaram como perseguidos, censurados ou boicotados pela mídia tradicional. De certa forma, Graeml e Marçal são outsiders, na linguagem na Ciência Política “hard”, que representam o movimento bolsonarista que está nas ruas – o bolsonarismo social – e que compete agora contra o bolsonarismo que “se entregou para a política”, representado pelo próprio Bolsonaro e seu partido. Assim, esse bolsonarismo social, que está decepcionado pelas escolhas políticas do ex-presidente e do PL, vê Marçal (talvez agora seu maior representante) apoiando uma candidata conservadora que também está concorrendo contra alianças ao centro do PL. Nesse sentido, o eleitor bolsonarista decepcionado com o PL passa a apoiar e declarar voto àquela candidata que representa o conservadorismo, a direita e Pablo Marçal em Curitiba.

A ascensão repentina de Cristina Graeml (PMB), e sua ida ao segundo turno disputando voto a voto com Eduardo Pimentel (PSD), pode ter pegado muitos de surpresa. Estaríamos mentindo – ou exagerando – se disséssemos que nós, pesquisadores da Comunicação Política, também não ficamos surpresos. Mas a surpresa foi menor e a aceitação do cenário foi mais rápida. 

O acompanhamento, quase em tempo real, do TikTok dos candidatos já acendia o alerta de que Cristina Graeml poderia incomodar. Contudo, vale ressaltar, visualizações e likes não são o suficiente para confirmar o crescimento eleitoral de um candidato, Roberto Requião (Mobiliza) é um exemplo disso. Em alguns relatórios, Requião teve destaque de engajamento, mas esse engajamento não se apresentou nas urnas. A confirmação da transformação de engajamento online em voto vem através das pesquisas de opinião. Referente a isso, tivemos um limbo de quase 20 dias e foi apenas no sábado anterior à eleição que pudemos confirmar que Cristina Graeml, com uma comunicação digital bem feita e uma aproximação de políticos da extrema-direita bolsonarista, conseguiu converter engajamento online em voto. 

1 A um dia das eleições, a bolsonarista Cristina Graeml | Política (brasildefatopr.com.br)

2 A surpresa que vem da eleição de Curitiba e o rach… | VEJA (abril.com.br)

3 Quaest – Pesquisa de intenção de voto para prefeitura de Curitiba 2ª Rodada

4 Pesquisa de intenção de voto para Curitiba é divulgada pelo IRG | Gazeta do Povo

5 Eleições em Curitiba: Pimentel lidera com 32,1%; Ducci aparece com 16%; e Leprevost com 12,5%, diz Paraná Pesquisas | CNN Brasil

6 Quaest – Empate técnico entre Eduardo Pimentel (PSD), com 26%, e Cristina Graeml (PMB) com 21% 

Recentemente, o COMPADD entrou para uma iniciativa chamada Hubs Regionais, do Instituto Democracia em Xeque (DX) em parceria com diversos grupos de pesquisa ao redor do Brasil e com apoio da ONG Heinrich Böll Stiftung. O objetivo dos Hubs Regionais é “identificar a prevalência e a circulação de conteúdos prejudiciais à integridade eleitoral no TikTok, além de observar como as candidaturas utilizam essa plataforma de vídeos curtos”, como verificado no site do DX: https://institutodx.org/hubs-regionais/

8 Cristina Graeml – Curitiba e São Paulo estão unidas contra o sistema. A direita fará história neste domingo. Cristina Graeml 35 e Pablo Marçal 28 

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