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TECNOLOGIA E DEMOCRACIA: ainda faz sentido falar em exclusão digital?

Todos os dias, com abissais exceções, nos deparamos do momento que acordamos, até o outro dia, no momento que acordamos novamente, com a realidade digital. Esta amplamente inserida em nossas relações sociais, organiza nossas agendas, guarda nossas memórias e recentemente até interage em linguagem natural, aproximando-se ainda mais de nosso dia a dia. Configurando-se como meio que possibilita às pessoas uma forma diferente de se relacionar com outras pessoas e com o mundo. Se esta premissa é válida, o que aconteceu com a exclusão digital? Será que o tempo e o avanço do neoliberalismo supriram essa falta de acesso? 

Para Castells (2007), a diferença de países garantirem ou não à população o acesso e desenvolvimento das tecnologias é fonte crucial de desigualdades em nossas sociedades pois em um contexto de dominação das “elites”, o “povo” permanece limitado. De forma complementar, Gomes (2018) salienta que, a exclusão digital torna os pobres ainda mais pobres e determinadas regiões e países vulneráveis ainda mais vulneráveis, por tanto,  pensar a exclusão digital como uma questão é tão relevante quanto pensar a exclusão social.

A dívida digital, de acordo com Gomes (2018), aponta para as desigualdades políticas causadas pela exclusão digital, estabelecendo desigualdades entre membros de uma determinada sociedade ou também a desigualdade de acesso à tecnologia entre diferentes países e regiões. Pontuando o autor, que a desigualdade é um problema recorrente na democracia contemporânea, para qual, temos a inclusão social de alguns e de outros não. Atenuando diferenças entre indivíduos e entre grupos destas sociedades.

Uma das características da sociedade informacional é que os trabalhadores do conhecimento utilizam-se da capacidade de criação, geração e disseminação de conhecimentos. Portanto, pauta-se na geração, no processamento, no armazenamento e na transmissão da informação, impulsionada por demandas de mercado, ditadas pelas exigências da globalização. Assim, o desenvolvimento intelectual dos indivíduos que atuam utilizando-se de novos conhecimentos e de novas capacidades, contribuem para a inovação tecnológica e é o principal motor no desenvolvimento econômico mundial (ALONSO, FERNENDA e SANTANA, 2010; CASTELLS, 2007). O contraste daqueles que despossuem estas capacitações, é aquilo que Boaventura Santos (2020) chamaria de diferença abissal, entre os países centrais e periféricos, entre aqueles indivíduos ou grupos sociais que possuem e os que estão no outro extremo do abismo, na condição das ausências. 

Desta forma, inseridos em um mundo envolto pela perspectiva neoliberal e atravessado pelos processos de globalização, o nosso contemporâneo é caracterizado por contradições e desigualdades, em uma sociedade organizada em redes para qual é inegável a importância das TICs. Pois, o acesso aos bens materiais, educacionais, culturais e aos direitos garantidos pelas instituições passam muitas vezes pelos meios digitais. Assim, a questão principal é: como é possível perceber as relações entre exclusão/inclusão digital e exclusão/inclusão social  no Brasil? 

Como poderíamos observar estas relações? Autores como Wilson Gomes, Luiza Alonso e Manuel Castells alertam que a inclusão digital não garante a inclusão social, apesar de ser fator importante mas não único na luta contra as desigualdades. Na pesquisa realizada por Alonso, Fernenda e Santana (2010), esses termos são simplificados, diferenciando a inclusão social como sendo a participação ativa do cidadão na comunidade, no governo e na sociedade civil proporcionando acesso e fruição de bens materiais, educacionais e culturais. Enquanto, a inclusão digital refere-se a ações que buscam inserir o cidadão oferecendo-lhes, através do aprendizado, as habilidades necessárias para manipular as TICs. 

Desta lacuna, busca-se descrever alguns dados da sociedade brasileira abordando um objetivo, o acesso a internet. Traz o enfoque temático a partir de três eixos (i) grau de instrução; (ii) faixa etária; e (iii) classe social. Os dados foram coletados no site do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), que utiliza como fonte o Censo Demográfico, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), ou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Focalizado na variação da proporção do acesso dos brasileiros à internet, considerando-se ao menos um acesso ao longo de toda a vida (ano de referência 2021). 

 

Resultados

 

Os resultados encontrados demonstraram em números as desigualdades sociais e digitais. Estas desigualdades se apresentaram nos três eixos analisados. De acordo com TIC Domicílio (2021), em 2008 aproximadamente 20% das residências tinham acesso à internet, valor que quadruplicou alcançando aproximadamente 82% dos lares em 2021. Ainda que a diferença de acesso à internet tenha reduzido entre as classes A e D-E é importante notarmos que em 2015, 99% dos lares de classe A já possuíam internet e em 2020, já eram 100%, enquanto nas classes D-E em 2015, 16% tinham acesso e em 2021 este número era de 61%.
De outra forma, a desigualdade se apresenta quando analisa-se os indivíduos que já acessaram a internet. Nesta questão, os dados retratam cerca de 183 milhões de pessoas acima de 10 anos. Das quais, 86,36% já acessaram e 13,64% nunca acessaram a internet, o que é o equivalente a 25 milhões de pessoas que ainda não acessaram a internet durante suas vidas.

Entre as classes sociais essa diferença mostra suas proporções. Os indivíduos correspondentes a classe A e B em grande parte têm ou tiveram acesso à internet, enquanto que os indivíduos das classes C e D-E, correspondentes a 80% do público da pesquisa, estão entre os com menor acesso. As classes C e D-E ainda concentram todos os indivíduos que não sabiam se tinham acessado a internet, aproximadamente 50 mil pessoas. Ainda, na análise do acesso à internet, em relação à faixa etária, podemos observar que quanto maior a faixa de idade maior o número de pessoas que nunca acessaram a internet. E, em relação ao grau de instrução, quanto menor a escolaridade maior o número de pessoas que não acessam (Gráfico 1). 

 

Gráfico 1: Porcentagem dos indivíduos que acessaram a internet (2021)

Organização: Elaborado pelo autor (2022)

 

Considerações

 

Quando observamos a realidade da sociedade brasileira na contemporaneidade através dos números, nos deparamos com uma condição que não é nova mas está imbuída de novos elementos que trazem outros pontos para as análises. Ao focarmos na desigualdade entre as diferenças de instrução, de idade e de condição social e econômica, é notória que ela acentua-se em relação ao acesso às TICs, em determinados segmentos. Estes segmentos correspondem a uma parcela considerável da população, estão entre os que mais demandam dos serviços públicos e os que têm mais dificuldade de acesso.
Mesmo com o crescimento do acesso a internet, este não é absoluto e entre os que o possuem é distribuído de forma desigual. Pois, enquanto que os grupos mais abonados, os mais instruídos e as classes A e B, desfrutam da comodidade da internet em seus lares à anos, entre as classes C e D-E e entre os menos instruídos, ainda hoje, existem milhões de pessoas que não possuem esta condição. Ainda vale realçar que, apenas entre as classes menos favorecidas e instruídas, estão aqueles que não sabiam se haviam acessado a internet, atenuante de exclusão.
Em relação às diferenças entre as faixas etárias, aqueles considerados como geração dos Baby Boomers tem uma relação mais frágil e mais recente com as TICs, esta geração que encontra-se aposentada ou em vias de se aposentar, demandam de serviços públicos que em muitos casos são intermediados através das TICs e podem depender da habilidade do usuário para sua fruição. 

Este artigo buscou explorar a temática da desigualdade em relação ao acesso e fruição da internet no Brasil. Longe de esgotar, tenta instigar o debate a respeito da inclusão/exclusão digital e da inclusão/exclusão social. Seria possível afirmar que quanto mais inclusão social, mais inclusão digital? e que, consequentemente teríamos, de forma análoga, o oposto, quanto mais exclusão de um lado mais de outro? 

 

  • Referências bibliográficas

 

ALONSO, L. B. N.; FERNEDA, E.; SANTANA, G. P. Inclusão digital e inclusão social: contribuições teóricas e metodológicas. Barbaroi,  Santa Cruz do Sul ,  n. 32, p. 154-177, jun.  2010.

CASTELLS, M. A Sociedade em Rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. 698 p.

CETIC. (2022) Portal de dados Cetic. Disponível em https://data.cetic.br/explore. Acesso em 08 set. 2022. 

GOMES, W. A Democracia no Mundo Digital: história, problemas e temas. São Paulo: Edições Sesc, 2018. 114 p.

GOMES, W. Da era da televisão à era digital: mudança na comunicação, transformação da política. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital. Aula em formato de texto, 2022.

SANTOS, B. de S. 2020 Aula Magistral #5 “O tempo e as metodologias pós-abissais”. Realização de Centro de Estudos Sociais. Roteiro: Boaventura de Sousa Santos. Coimbra: Centro de Estudos Sociais, 2022. P&B. Licença de atribuição Creative Commons. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=n49Ho2ImFgw. Acesso em: 13 jun. 2022.

 

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