TikTok e política: não é o futuro, já virou realidade
Uma das redes sociais do momento envolve o compartilhamento de vídeos que atingem números impressionantes, publicados em um ambiente que impulsiona a carreira de até então desconhecidos que ganham status de celebridades influentes, sendo ainda capaz de pautar assuntos da imprensa tradicional nas mais diferentes editorias.
Tal conceituação cabe perfeitamente na descrição do YouTube, rede social digital que é totalmente dedicada ao compartilhamento de clipes das mais variadas durações, ou do Instagram, cada vez mais voltado ao audiovisual no lugar de fotos estáticas. Porém, é igualmente preciso conectá-lo hoje ao TikTok, o aplicativo de origem chinesa que se mostra cada vez mais capaz de bater recordes impressionantes no mercado da tecnologia.
Em um exemplo recente, a empresa de consultoria de dados App Annie (2021) detectou que o tempo gasto no TikTok por donos de celular Android ultrapassou o período mensal que essas mesmas pessoas passam no YouTube. No Brasil, ele já empata com o Instagram em pouco menos de 15 horas semanais de uso e, no atual ritmo de crescimento, pode deixar para trás o popular Facebook.
Além disso, o aplicativo é, desde agosto de 2021, o serviço com maior número de downloads em todo o mundo, tendo ultrapassado o quarteto de ferramentas do império digital de Mark Zuckerberg — Facebook (e seu bate-papo separado, o Messenger), WhatsApp e Instagram.
Essas informações mercadológicas não indicam apenas a popularização do serviço, que já é uma realidade e não uma projeção de futuro próximo. Também significa que áreas acadêmicas, como as pesquisas em Internet & Política, já devem ficar atentas para extrair dados, analisar hashtags e acompanhar a movimentação na plataforma do ponto de vista deliberacionista, de participação política, cidadania, discurso de ódio, desinformação e outras abordagens teóricas frequentemente aplicadas no campo (vide Sampaio et al. 2016)
Em estudo exploratório (Kleina, 2020), foi possível notar como o TikTok ainda é pouco estudado em interface com a comunicação política no Brasil. Ainda assim, foi detectada a presença de conteúdos políticos mesmo em um período ainda pré-eleitoral, já com altos números de visualização e uma pluralidade de formatos e espectros políticos contemplados.
Outros estudos posteriormente indicam que a plataforma foi utilizada para circulação de desinformação sobre a COVID-19 (GEHRKE, BENETTI, 2021) e como canal de comunicação eleitoral de Guilherme Boulos (ABREU, KARHAWI, 2021), candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo em 2020. No jornalismo, investiga-se a expansão da cultura militarista na plataforma (SPAGNUOLO, 2021) e também a figura de influenciador digital de um dos filhos do presidente da República, Jair Bolsonaro (MENDONÇA, 2021). No contexto das eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos, Sodani e Mendenhall (2021) concluíram que o TikTok pode não trazer efeitos diretos no envolvimento de adolescentes na política presencial, mas auxilia no engajamento virtual sobre o tema e no aprendizado de assuntos políticos.
O potencial da plataforma envolve não apenas o alcance a partir do algoritmo de recomendações, que é o grande trunfo da empresa chinesa ByteDance, mas também a possibilidade de ressignificar discursos políticos e alterar a forma com que narrativas são entregues a espectadores mais jovens, público até então alvo do TikTok. A utilização de danças, desafios, redublagens e recortes de vídeos é possível graças a ferramentas ausentes, pouco difundidas ou apenas posteriormente adotadas nas demais plataformas de vídeo — os Reels, do Instagram, e os Shorts, do YouTube, são respostas diretas a esse formato, indicando a preocupação das rivais em seguir a tendência.
Uma eventual demora na identificação do TikTok como objeto de estudo político pode levar a um fenômeno similar ao que ocorreu com as pesquisas envolvendo YouTube.
Em pesquisa de Sampaio, Nichols, Kleina e Marioto (2020), notou-se uma produção irregular ao longo dos anos, sem um padrão de crescimento contínuo e com foco na temática eleitoral, com muito potencial a ser explorado entre outros componentes da esfera política. Com a plataforma chinesa, o campo de I&P tem a chance de reduzir essa lacuna e, desde já, explorar os potenciais políticos na rede para acompanhar a sua evolução ao longo dos próximos anos.
Há de se pontuar que, mesmo ainda em crescimento, os estudos em YouTube e política são muito beneficiados pela acessibilidade da API da rede social, o que viabiliza a extração de metadados e outros elementos a partir de ferramentas intuitivas como o YouTube Datatools ou a capacidade de extrair clipes via youtube-dl. O TikTok ainda carece de tais softwares — o procedimento de raspagem via tiktok-scraper é funcional, porém instável, além de exigir conhecimentos adicionais na operação de outros ambientes e formatos.
Embora não seja desejável limitar-se aos (também essenciais) estudos eleitorais, o pleito de 2022 é uma excelente oportunidade para que pesquisas na área atinjam um patamar significativo já no ano seguinte, o que permitiria a construção de uma base de técnicas, autores e teóricos que ajudem a compreender mais esse fenômeno virtual de produção de conteúdo voluntário e disseminação de ideologias políticas no Brasil.
Referências
ABREU, Daniel Cesario; KARHAWI, Isaaf. “Boulos radical!”: o uso de memes como estratégia de comunicação durante a campanha eleitoral de Guilherme Boulos. XV Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas (Abrapcorp), São Paulo/SP – 07 a 11/06/2021.
APP ANNIE. The State of Mobile 2021. Disponível em: <https://www.appannie.com/en/go/state-of-mobile-2021/>. Acesso 21 set. 2021.
GEHRKE, Marília; BENETTI, Marcia. A desinformação no Brasil durante a pandemia de Covid-19: temas, plataformas e atores. revista Fronteiras – estudos midiáticos, v. 23, n 2, p. 14-28, maio/agosto 2021.
MENDONÇA, Ana. TikTok e política: como Renan Bolsonaro, o ’04’, virou fenômeno nas redes. Estado de Minas, 7 de junho de 2021. Disponível em: <https://bit.ly/3tWvScq>. Acesso em 21 set. 2021.
KLEINA, Nilton Cesar Monastier. Hora do TikTok: análise exploratória do potencial político da rede no Brasil. Revista UNINTER de Comunicação, v. 8, n. 15 dez. 2020.
SAMPAIO, Rafael Cardoso; BRAGATTO, Rachei Callai; NICOLÁS, Maria Alejandra. A construção do campo de internet e política: análise dos artigos brasileiros apresentados entre 2000 e 2014. Revista Brasileira de Ciência Política, n.21, p. 285-320, Set/Dec 2016.
SAMPAIO, Rafael Cardoso; NICHOLS, Bruno; KLEINA, Nilton Cesar Monastier; MARIOTO, Djiovanni. Jonas França Marioto. A produção científica brasileira sobre o YouTube na área de Internet & Política (2005-2019). E-Compós, 2020.
SODANI, T.; MENDENHALL, S. Binge-Swiping Through Politics : TikTok’s Emerging Role in American Government. J Stud Res, v. 10, n. 2, 2021.
SPAGNUOLO, Sérgio. Militarismo é nova onda no TikTok. NÚCLEO. jor, 12 de agosto de 2021. Disponível em: <https://www.nucleo.jor.br/especiais/2021-08-12-militarismo-tiktok>. Acesso 21 set 2021.