O Sete de Setembro, a crise institucional e as Big Techs
É elementar a ideia de que o avanço tecnológico bagunçou nossa antiga compreensão sobre a lógica emissor-receptor. Porém, não é nada elementar o pensamento de que não temos o detalhado entendimento sobre o universo algorítmico que nos cerca, sendo este um importante tema na literatura sobre Internet & Política. Entretanto, a ínfima conexão entre academia e mercado nos impede de ultrapassar a barreira da generalização do tema a fim de alcançarmos o entendimento sobre como os códigos guardados a sete chaves pelas grandes companhias impactam na crise comunicacional. Reféns da imprevisibilidade dos códigos, somos expostos a toda e mais diversa gama de conteúdos – verídicos ou não.
No Brasil atual, é impossível entrar nas redes sociais sem se deparar com assuntos relacionados à política e, mais especificamente, sobre a crise institucional entre poderes da república. Nas interações sobre o tema, a disputa de narrativas políticas ocorre no pior cenário possível: em plataformas que não conseguem combater à desinformação dentro de seus próprios domínios. Munidos por informações de fonte questionável, milhares de brasileiros passam a questionar a legitimidade de instituições estabelecidas no país.
Umberto Eco nos alertou, do alto de sua perspicácia analítica, o drama que viveríamos anos mais tarde: um mundo digital anárquico, com pouca fiscalização e, ainda menos, punição. A crise comunicacional é um problema que engloba a todos os usuários. Entretanto, seria inocência acreditar que a solução estaria em nós. Para que isso ocorra, milhões de usuários deveriam, ao mesmo tempo, banhar-se nas águas do bom senso e da boa convivência: algo não estimulado pelas próprias plataformas. Ao invés disso, temos pedidos para o fechamento do Supremo e destituição do presidente do Senado, dentre outros pedidos que atentam, frontalmente, contra a nossa Constituição – muitos deles tiveram protagonismo no último dia sete de setembro, nas grandes manifestações em Brasília e São Paulo.
A solução para a crise está nas próprias big techs. Como podemos imaginar que empresas que criam algoritmos com tecnologia de ponta não conseguem coibir narrativas e usuários que promovem ataques contra a democracia? Como podemos imaginar que essas redes não possuam tecnologias suficientes para identificar robôs ou usuários híbridos que promovem desinformação?
Não é razoável imaginar que o papel das big techs deva se limitar à remoção de uma conta de um ex-presidente ali, ou algumas publicações pontuais aqui, para dizer que “algo foi feito”. É preciso que essas empresas criem regras claras para a suspensão e exclusão de usuários e contas nas redes, visto que essas redes são, ao final das contas, plataformas particulares. Não coibir crimes é botar a nossa democracia em risco.
A disputa pelo controle das narrativas nestas redes faz com que as plataformas estejam inundadas por conteúdos inverídicos e usuários que não são reais, mas que, com o vírus da desinformação, penetram em usuários reais e prorrogam o caos no “mundo offline”.
Hoje, a crise comunicacional no Brasil é ingrediente principal para a popularização de narrativas que deslegitimam e botam em risco as instituições como o Supremo Tribunal Federal. Este processo pode acarretar em estragos de difícil reversão. A crise comunicacional é um dos pilares que sustentam ao menos outras duas de nossas crises atuais: a política e a sanitária. Encará-la exige coragem e inteligência para que as big techs consigam conciliar lucro e respeito aos valores democráticos.