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Por Um Novo Conceito De Democracia Digital: Desafios Presentes E Futuros

Por um novo conceito de Democracia Digital: desafios presentes e futuros

No III Simpósio Internacional em Inovação e Governança Digital, fiz uma apresentação tentando abordar o futuro do projeto e do conceito da democracia digital e aqui gostaria de fazer um resumo da mesma. Para termos didáticos e de entretenimento, a fala foi inteira baseada nos filmes de Star Wars e boa parte da minha premissa foi responder: estaria a democracia digital destruída em um momento de tamanho domínio do Dark Side (Lado Sombrio) da Força?

A pergunta, na verdade, me persegue desde a publicação do texto “A Comunicação Política depois do Golpe – Notas para uma agenda de pesquisa” por Afonso de Albuquerque (2018) na revista Compolítica. Resumidamente, após o golpe que tirou Dilma Rousseff do poder, Albuquerque ressalta que faltou senso crítico aos pesquisadores de comunicação e política, especialmente aqueles que trabalham com instituições de accountability, como a mídia e órgãos do judiciário, que acabaram sendo, na melhor das hipóteses, cúmplices do golpe, senão apoiadores. Só que Albuquerque destaca especialmente os pesquisadores da democracia digital (ou e-democracia), denotando:

“Um vislumbre da publicação recente e das apresentações de trabalhos em eventos acadêmicos revela uma escassez de trabalhos que considerem a atuação da imprensa ou de outras instituições da “rede de accountability” sob uma perspectiva crítica […]. As perguntas que se seguem são: em que medida essa agenda continua a fazer sentido quando a democracia enfrenta uma crise tão séria? É sensato esperar que uma e-democracia possa existir na ausência da democracia propriamente dita?” (Albuquerque, 2018, p. 173, grifos meus).

Em suma, a agenda da democracia digital faria algum sentido se as próprias instituições democráticas estão ameaçadas? E eu continuei a minha apresentação evidenciando que o domínio do Dark Side parece ter apenas crescido em termos globais, a exemplo das eleições de Trump nos EUA; Brexit; Ascenção populista e extremista; Aumento da polarização política; Proliferação do discurso de ódio; Difusão das fake news; Uso de dados pessoais para comércio e vigilância. E no plano local, as eleições de Bolsonaro, as diferentes crises institucionais, o negacionismo de mediadores epistêmicos (jornalismo, ciência etc.). E, em quase todos esses acontecimentos, havia notáveis evidências de usos não democráticos dos meios digitais, incluindo a manipulação e a distorção da opinião pública, notadamente nesses momentos de grandes pleitos eleitorais.

Brincando com o título do episódio VII de Star Wars, eu argumentei que “The Force Awakens” (A Força desperta). Ou seja, apesar de estarmos realmente em um período de grandes trevas, isso não significa que não houve diversos tipos de reações do Lado da Luz (Light Side), ou ainda, das forças democráticas. Notadamente, a suposta influência russa nas eleições estadunidenses de 2016, o escândalo da Cambridge Analytica no caso do Brexit e a proliferação geral de fake News nesses dois pleitos geraram repercussões mundiais. Nos Estados Unidos, sede das grandes corporações de mídia social, o próprio Senado chamou CEOs e diretores dessas empresas para virem se explicar e apontar o que estão fazendo em relação aos dados pessoais e à a privacidade das pessoas e para combater fake News e o discurso do ódio. A União Europeia também foi pioneira em apresentar propostas de corregulação das plataformas de mídia social, que incluíssem governo, sociedade civil, agentes midiáticos e atores das próprias empresas para controlar a proliferação da desinformação. Em suma, governos e organizações da sociedade civil elevaram o tom e aumentaram a pressão sobre as plataformas por maior transparência e regulação algorítmica. Tornou-se algo de profundo debate em vários países, especialmente em termos de haver ou não regulações na forma de leis. A indústria da informação, notadamente o jornalismo, também reagiu aumentando e promovendo iniciativas de fact-checking, buscando desmentir as fake News que circulam nos diferentes ambientes digitais ao mesmo tempo que tentam voltar a se posicionar como mediadores centrais da esfera pública contemporânea.

Em seguida, introduzi a ideia de um “distúrbio na Força”, fala clássica de vários filmes de Star Wars que precede algum grande acontecimento nos filmes. No caso, estava me referindo à pandemia mundial da Covid-19. Resumidamente, tratei como a necessidade do isolamento social para impedir a proliferação do vírus nos obrigou a realizar atividades remota e digitalmente, incluindo duas das questões mais importantes de nossas vidas: trabalho e educação. Em suma, acelerou ainda mais a importância do on-line na vida de todas as pessoas, empresas e instituições, inclusive as políticas. Dadas as novas necessidades, burocratas (funcionários públicos e afins) tiveram que rapidamente construir sistemas para reuniões e sessões online em câmaras, assembleias legislativas e no planalto, assim como em prefeituras, governos do estado e em toda a federação. Os políticos profissionais, por sua vez, também tiveram de se adaptar rapidamente a tais tecnologias. A falta da discussão e dos acordos presenciais teve impactos diretos na própria forma de fazer política. E, em minha visão, isso provavelmente terá um efeito em diminuir a resistência das instituições e dos próprios políticos para mais usos de tecnologias on-line em suas rotinas.

A pandemia também trouxe uma série de outras consequências para a política e para o sistema midiático. A indústria da informação e diversos agentes da sociedade civil passaram a demandar ainda mais por transparência e por atualização constante dos dados relacionados à doença (número de infectados, número de óbitos, porcentagem de ocupação de leitos, gastos direcionados à abertura de leitos de hospitais e investimentos em saúde etc.). Não obstante, essa demanda por informação de qualidade por diferentes públicos não teve um impacto negativo no discurso da desinformação. Na verdade, este aumentou consideravelmente com a pandemia. Tomando apenas o exemplo do Brasil, a circulação de fake News sobre a origem do vírus, os supostos (e mentirosos) tratamentos precoces, a origem e eficácia das vacinas, além de discursos conspiratórios  sobre os verdadeiros culpados pela falta de vacinas no país e afins.

Dado esse contexto, eu começo a revisar o que a própria literatura acadêmica tem apontado como os desafios a serem enfrentados pelo campo da democracia digital e mesmo da política digital. Com base em alguns autores de ponta, eu resumo que os desafios e limites apontados da pesquisa em política digital (Anstead, 2020; Chadwick, 2020; Dutton, 2020; Miller, Vaccari, 2020, grifos meus), resumidamente, são:

  • Foco excessivo em soluções tecnológicas (e.g. AI, fake news);
  • Pouco foco em questões de contexto (sociológicas e políticas)
  • Pouco foco no novo sistema híbrido dos media (e.g., convergência);
  • Pouco foco no papel das mídias tradicionais nos atuais problemas;
  • Muito foco apenas nos casos de sucesso;
  • Muita expectativa de racionalidade e pouco foco nas emoções;
  • Pouco foco no dark side da internet;
  • Evitar ressoar e reforçar o discurso da crise e a culpa da internet;
  • Pensar nos efeitos do que vivemos no longo prazo também.

E pretendo responder a algum desses pontos posteriormente, mas creio que a revisão sistemática da literatura realizada por Kathleen Kuehn e Leon Salter (2020) resume elegantemente as quatro grandes “ameaças da internet sobre a democracia”, vulgo: fake news; filtros bolha e câmaras de eco; discurso do ódio e vigilância. Os autores acreditam que destas quatro ameaças surgirão três tipos principais de soluções: tecnológicas; regulatórias e culturais.

Com base especialmente nos dois últimos autores, mas tendo todos os anteriores em vista, eu defendo que devemos ter “Uma nova esperança” (título tanto do Episódio IV de Star Wars quanto do artigo de Gastil e Davies, 2020, que inspirou a minha fala). Em outras palavras, ao contrário do afirmado por Albuquerque, a democracia digital não está morta e é um tema central de nossas atuais democracias. Resumindo o que foi encontrado por Kuehn e Salter, eu argumento que o campo tenderá a tratar e ser pautado notadamente por dois temas, nomeadamente 1) a integridade da esfera pública e 2) a governança da internet e a busca por regulações do ciberespaço. Essas duas questões, em minha defesa, sempre deverão estar pautadas por um terceiro ponto secreto que é um 3) uso ambíguo pelo governo e sociedade civil das atuais plataformas de mídias sociais, enquanto se buscam alternativas a elas.  Tratarei das três temáticas e ao fim apontarei questões que considero que são importantes para a própria pesquisa no campo.

Em vez de matar a democracia digital, devemos é justamente reconhecer como a esfera pública no sistema híbrido dos media (Chadwick, 2017) é cada vez mais intercortada por eventos e fenômenos online. Não é que protestos de rua, lobbys, advocacy, acordos de gabinete perderam a sua importância, porém é reconhecer que agora também há “avenidas digitais” nas quais as disputas acontecem. Para a palestra, eu coloquei uma série de perguntas relacionadas a esse ponto:

  • Quem tem mais seguidores? Quem tem maior influência?
  • Qual lado “venceu” na disputa da polêmica do dia?
  • Como as organizações cívicas se organizam? Como os diferentes grupos minoritários constroem parte de suas identidades online? Como conseguem visibilidade para suas pautas? Como sair das redes para as ruas?
  • Como diria Wilson Gomes, qual o papel dos influenciadores digitais (e.g. youtubers) na atual esfera pública? Tratam-se dos novos intelectuais públicos ou são apenas celebridades? Ou ainda um híbrido?

Portanto, boa parte da discussão sobre a democracia digital no futuro próximo, acredito eu, será sobre (ou será pautada pela) integridade da esfera pública. Na prática, todos os itens abaixo tratam de questões que tendem a contaminar, distorcer ou mesmo destruir o debate público e são, portanto, merecedores de muita atenção:

  • Algoritmos preferem nos mostrar aquilo que gostamos;
  • Filtros-bolha, câmaras de eco (não é exposto a argumentos contrários);
  • Polarização, crescimento do populismo e discursos extremistas;
  • Proliferação do discurso de ódio;
  • Normalização de atitudes belicosas (ofensas, ataques virtuais, cancelamentos etc.)
  • Uso de bots e outras estratégias para manipular/distorcer o debate digital;
  • Viralização extrema de fake News, especialmente em momentos políticos decisivos.
  • Estratégia de guerra para destruir o outro lado (Gomes, Dourado, 2011).

E essa discussão sobre a integridade da esfera pública sempre estará influenciada pela defesa da liberdade de expressão, um dos direitos mais básicos das democracias liberais. Não obstante, argumento que tal direito foi sequestrado e agora é utilizado por grupos de extrema-direita para impedir que qualquer regulação seja aprovada e que o discurso da desinformação e do ódio continuem a fluir livremente.

Tal compreensão me leva ao meu segundo ponto que acredito que seja vital para as próximas discussões sobre democracia digital, vulgo Governança da Internet e a busca por regulações do ciberespaço. A governança da internet, obviamente, sempre foi um tema central do debate sobre a democracia digital, porém agora parece haver um movimento internacional, uma pressão global para que tais regulações aconteçam. Seja pela proliferação das fake news, seja pelo seu suposto efeito nas eleições, seja pela repercussão internacional, há um grande ímpeto governamental por regular ou as plataformas de mídias sociais ou regras que afetem eleições ou atividades políticas. A própria questão dos monopólios exercidos por algumas dessas grandes corporações é tema de debate constante nos Estados Unidos e União Europeia.

Por sua vez, a sociedade civil não é contrária à regulação, mas faz um esforço grande para garantir que as novas legislações não possam ser voltadas contra elas, afinal uma legislação equivocada pode dar excessivo poder às empresas de mídias sociais ou tornar o processo lento demais para ser efetivo (e.g., fake News). Além disso, em vários desses temas, não há evidências que sanções tenham efeitos positivos em diminuir as ameaças. Argumento que o paradoxo da questão é que não regular é garantir que as plataformas continuem aplicando as suas próprias regras sem controle externo e facilitar que os grupos políticos/econômicos continuem usando mecanismos de disseminação de discurso de ódio ou fake News.

Todo esse cenário, como já dito, pode ser visto como uma nova esperança ou mesmo como uma janela de oportunidade de políticas públicos, porém com um otimismo cético. No caso brasileiro, inúmeros políticos e entidades governamentais (e.g. TSE) desejam a regulação, o que é algo que poderia ser difícil em outros momentos, logo é uma janela de oportunidade. Por outro lado, leis estão sendo aprovadas às pressas e sem uma discussão suficiente com a sociedade, como foi o caso da PL 2630 aprovada pelo Senado para regular fake News. Há ainda o perigo que justamente aqueles que desejam se aproveitar da situação anterior proponham regulações que ainda permitam as práticas nocivas, afinal grupos políticos se beneficiam de tais práticas. Então, novamente temos um paradoxo entre uma janela de oportunidade para regulação e um temor por regulações inadequadas.

Argumento que, no sentido democrático, nunca se debateu tanto sobre o assunto e que diferentes atores (sociedade civil, academia e governos) estão em maior interação que em outras formas de regulação midiática (e.g., regulação da mídia, que teve poucos avanços em décadas). Parece-me que tivemos uma evolução neste quesito e que existe sim a chance de se tratar de uma janela de oportunidade. Desde que, claro, mantenham-se o advocacy e a pressão popular sobre os parlamentares.

Agora, independentemente desse contexto brasileiro, a governança da internet tende daqui em diante a sempre ser um mote constante de nossas discussões. Exatamente pelos avanços tecnológicos em velocidade surpreendente, acadêmicos e sociedade civil sempre estarão discutindo os limites éticos e legais para tais usos. Em minha apresentação, citei alguns deles a título de exemplo:

  • Desigualdades digitais;
  • Uso de dados por empresas e governos (vigilância)
  • Uso de IA/modelos de deep learning para decisões;
  • Microtargeting/propaganda computacional;
  • Reconhecimento facial; big data
  • Proteção de dados pessoais (cidadania digital);
  • Soberania nacional x leis internacionais;
  • Bias em todos esses códigos e processos;
  • Regulação/transparência algorítmica.

Assim, chegando ao meu terceiro ponto, isso significa que tanto governo quanto sociedade civil tenderão a fazer um uso “ambíguo” das atuais plataformas, uma espécie de jogo-duplo. Por um lado, eles não podem abandonar as atuais plataformas de mídias sociais, pois é onde as pessoas estão. Governos e políticos profissionais continuarão a fazer uso delas e buscar ganhar publicidade e construir suas imagens por ali, tentando driblar os enquadramentos jornalísticos. Agentes da sociedade civil continuarão a se organizar e convocar eventos pelas atuais redes, a buscar visibilidade para suas agendas, causas e afins. Por outro lado, acredito que ambos precisam estar atentos a outras possibilidades, à construção de alternativas, de inovações de software e também de iniciativas.

Por mais que seja bastante difícil de pensarmos em plataformas ou iniciativas públicas que possam competir com Google, Facebook e afins, não podemos deixar de buscar as possíveis inovações em diferentes níveis governamentais e, especialmente, pela sociedade civil. Assim, creio que a busca de alternativas também possa ser a base de futuros projetos de democracia digital. Aqui, estou falando de laboratórios de inovação (como o LabHacker no Brasil e os laboratórios em Madrid e Barcelona, conforme Santos, Araújo, Penteado, 2019), iniciativas de crowdlaw, de crowdsourcing e inteligência coletiva, inovações democráticas, consultas públicas dialógicas, ferramentas que fomentem transparência e dados abertos, instrumentos cívicos para dialogar ou pressionar os governos. Gastil e Davies (2020) chegam a sugerir um mega investimento do governo norte-americano para criar plataformas públicas para concorrem com as privadas (ao exemplo de TVs públicas que concorrem com as do mercado). Tenho bastante dúvida se tal direção funcionaria em qualquer contexto diferente dos Estados Unidos e mesmo no próprio, apesar da ideia de investimento governamental em softwares públicos e alternativos não ser ruim em si.

Em suma, a busca por inovações e por alternativas às mídias sociais atuais não deve parar por nenhum dos atores, enquanto as plataformas atuais devem continuar sendo usadas para suas agendas. Isso é o que estou chamando de uso ambíguo.

Com base nestas revisões e reflexões, eu faço algumas conclusões para o que eu espero que seja e o que eu recomendo para a literatura de democracia digital (para um pouco sobre o atual estado da arte da literatura, ver Sampaio et al, 2021).

1) Como já dito, a e-democracia não está morta e, na verdade, nunca esteve num lugar mais central de nossas vidas e no centro do debate democrático.
2) A democracia digital está mais conectada que nunca à comunicação política digital. Enquanto para os pesquisadores de Comunicação Política isso pode parecer óbvio, pode haver maior resistência dos estudiosos da Ciência Política, do Campo de Públicas e mesmo do Direito a tal fato.
3) O Direito por sua vez entrou para ficar na discussão, uma vez que as regulações sempre serão temas centrais da democracia digital.
4) Concedendo em um ponto a Albuquerque (2018) e também Chadwick (2020), os estudiosos de democracia digital precisam ser mais críticos, reconhecer que existem diversos usos não democráticos dos meios digitais e passar a estuda-los.
5) Isso significa que o campo da democracia digital precisa ser mais empírico e menos normativo, devendo encarar os desafios das democracias atuais e do papel da tecnologia nisso, adotando uma postura mais crítica e atenta aos déficits trazidos ou fomentados pelas tecnologias.
6) Ao ser mais empírica, a pesquisa deve adotar e ser uma líder no uso de métodos digitais sofisticados, realizando parcerias com entidades governamentais, do terceiro setor, da mídia e mesmo com as próprias empresas de mídias sociais.

Esses seis apontamentos ou sugestões não devem, entretanto, fazer a democracia digital abandonar a sua razão de existir e seu objetivo primário. Trata-se tanto de um conceito quanto de um projeto a ser fomentado. A democracia digital existe para pensarmos formas de usarmos a tecnologia para fomentarmos valores democráticos, para gerarmos melhor democracias, para aumentarmos o poder do cidadão frente a outros agentes. Portanto, não devemos abandonar completamente a normatividade do conceito, pois ele deve sempre existir para orientação e sugestões de melhorias. Aqui, o segredo está menos em seguir a pesquisa da frustração, como também denota Wilson Gomes, que não encontra na realidade aquilo que a literatura aponta normativamente como ideal e mais usar a normatividade para reforçar a importância de projetos digitais incrementarem valores democráticos, de servirem para frear os abusos que podem vir de governos, corporações ou grupos extremistas organizados.

Estando ou não em moda, a democracia digital sempre deve ser uma base para reforçar os aspectos democráticos de outros projetos e conceitos de iniciativas digitais, que podem se tornar vazios se não desejarem justamente incrementar a democracia, como governo digital, governança digital, cidades inteligentes, dados abertos e afins. Sem a normatividade da democracia digital, sem o objetivo de trazer ganhos democráticos, muitos conceitos podem apenas incrementar eficiência governamental e até reduzir os seus impactos políticos, como acontece em certas literaturas, como governo digital, dados abertos e, principalmente, cidades inteligentes. Não é que a melhor entrega de serviços ao cidadão e a melhor eficiência de gestão sejam pouco, porém é sempre preciso cuidado para não normalizar esses usos como os únicos possíveis. É justamente neste ponto que a democracia digital pode ajudar a dar robustez a outros projetos e processos.

Neste sentido, sustento que, ao exemplo do seminário organizado pela professora Christina Freitas, é preciso aumentar a interação entre pesquisadores e promotores de uma série de iniciativas, que em minha visão buscam fazer, no fundo, a mesma coisa: produzir democracias melhores. Abaixo, eu cito algumas dessas literaturas que muitas vezes não se tocam por partirem de pontos de diferentes, mas que acredito estarem, finalmente, convergindo, dialogando e, consequentemente, produzindo melhores produtos e pesquisas.

  • Democracia Digital
  • e-Participação
  • e-Transparência
  • Online Deliberation
  • Civic Tech
  • Hacktivismo
  • Governança Digital
  • Governo Aberto
  • Parlamento Aberto
  • Crowdlaw
  • Inteligência Coletiva
  • Minipúblico
  • Inovação democrática
  • Instituição Participativa

Finalmente, defendi que é importante não comprar/disseminar o enquadramento atual de que as mídias sociais e a internet estão destruindo a democracia. É importante que governantes e cidadãos estejam cientes das possibilidades democráticas que podem ser trazidas ainda pelas mesmas ferramentas. Finalizo meu argumento dizendo que mesmo Cass Sustein (2018), um grande cético sobre o uso da internet para fins democráticos, foi capaz de admitir que estamos melhor hoje, com as mídias sociais, que antes. Afinal, a internet, em geral, e as mídias sociais atuais, em específico, não são estáticas. A internet já foi muito diferente, já passou por inúmeras fases e certamente ainda mudará inúmeras vezes pelas evoluções tecnológicas e pelas ações humanas. Como o próprio conclui, há espaço, então, para que as mídias sociais sejam revistas e melhoradas. A democracia digital pode oferecer caminhos para tais mudanças.

Referências:

  • ALBUQUERQUE, Afonso. A comunicação política depois do golpe: notas para uma agenda de pesquisa. Compolítica, v. 8, n. 2, p. 171-206, 2018.
  • ANSTEAD, Nick. The future of political communication research. In: A Research Agenda for Digital Politics. Edward Elgar Publishing, 2020.
  • CHADWICK, Andrew. The hybrid media system: Politics and power. Oxford University Press, 2017.
  • CHADWICK, Andrew. Four challenges for the future of digital politics research. In: A Research Agenda for Digital Politics. Edward Elgar Publishing, 2020.
  • DUTTON, William H. Introduction to A Research Agenda for Digital Politics. A Research Agenda for Digital Politics. Edward Elgar Publishing, 2020.
  • GASTIL, John; DAVIES, Todd. Digital Democracy: Episode IV—A New Hope*: How a Corporation for Public Software Could Transform Digital Engagement for Government and Civil Society. Digital Government: Research and Practice, v. 1, n. 1, p. 1-15, 2020.
  • GOMES, Wilson; DOURADO, Tatiana. Fake news, um fenômeno de comunicação política entre jornalismo, política e democracia. Estudos em Jornalismo e Mídia, v. 16, n. 2, p. 33-45, 2019.
  • KUEHN, Kathleen M.; SALTER, Leon A. Assessing digital threats to democracy, and workable solutions: a review of the recent literature. International Journal of Communication, v. 14, p. 22, 2020.
  • MILLER, Michael L.; VACCARI, Cristian. Digital threats to democracy: comparative lessons and possible remedies. The International Journal of Press/Politics, v. 25, n. 3, p. 333-356, 2020.
  • SAMPAIO, R.; FREITAS, C.; KLEINA, N.; MARIOTO, D.; NICHOLS, B.; BORGES, T.; ALISON, M.; BOZZA, G.; HAUSEN, V. Democracia Digital no Brasil: mapeamento e análise de artigos publicados em periódicos entre 1999-2018. Boletim de Análise Político-Institucional, v. 25, p. 23-32, 2021.
  • SANTOS, Marcelo; ARAÚJO, Rafael; PENTEADO, Claudio. Laboratório de Inovação Cidadã e cidadania 2.0: um estudo de caso dos modelos Media Lab Prado e Citi Lab Barcelona. In: 43º Encontro Anual da Anpocs, 2019, Caxambú. Anais do 43º Encontro Anual da ANPOCS, de 21 a 25 de outubro de 2019. Caxambú: ANPOCS, 2019. p. 1-30.
  • SUNSTEIN, Cass. As mídias sociais são boas ou ruins para a democracia?. SUR -Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v.15, e. 27, p. 85-92, jul., 2018.
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